29 - AS CRIANÇAS DO MUNDO

Como o orvalho que contém a noite
e a luz primeira da manhã,
sou uma possibilidade, uma promessa.
Para mim tudo é porvir. Tudo!
Tudo em mim e em torno de mim há por ser
[descoberto,
tocado, sentido, amado. Tudo.
Enigma transluzente da aurora,
beleza boreal, luxuosa e frouxa,
a força hidrelétrica dos rios,
o humo da terra. Tudo sou.
Fresco como a manhã cálida,
cheio de viço e de cheiro,
garboso, latente.
Virtualmente lato e frágil, prodigiosamente.
Contenho-me, componho-me, esperando e
[indo.
Sendo a cor luxuriante e louca da selva
e a fragrância inebriante da relva,
o que há de vir e o que está vindo.
Extensão, alcance, alvo,
ponto intermédio entre desejo e ato,
alço vôo, sendo asa.
Lânguida asa de pássaros selvagens,
o seu gorgeio e sua débil configuração.
Rumo, caminho, reta,
desembocam em mim todos os deltas,
as corredeiras todas -
a força do mar.
Todos os homens.
Os brancos e os insípidos e até
os azuis, que nem existem...
De você, sou o fim, que você perdeu,
e o seu recomeço.
Latente está em mim suscetível
a realização - e eu suporto,
de tudo que você não pôde
ou não quis, pois esqueceu.

Agitam-se em mim todos os ódios,
todos os medos e os desassombros,
os recuos todos e a intrepidez.
Força e querer,
poder e vontade,
a conspicuidade desse vir-a-ser.

E eu serei você decuplicado.
Recuperarei suas ânsias e os seus ângulos
extraviados, e
assumirei seus temores.

Por causa do que foi deixado,
em mim zunem mil ferros,
vocalizam em mim as dores contidas
cantam em mim os cantos,
doces e ternos, tristes e envergonhados.

Sou o futuro que você pensava,
o fim da linha que você deixou,
sou o recomeço.

Comigo está a liberdade, que embriaga,
está em mim o medo, que entorpece.
Sou acúmulo do mundo de todos vocês,
de todas as suas guerras e garras,
de todos os mortos.
Trago as cicatrizes todas, as mutilações
e as medalhas.

Assim, ininterrupto e limpo é o meu começo.
Vejo vocês e pergunto - os olhos presos no
[cosmos:
- Deverei mesmo, digam homens,
ser continuação de vocês?

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