27 - DEUS ESTÁ EM TODA PARTE

Frame do filme "Um estranho no Lago" (2013) Reprodução
Achei Deus na cesta do lixo,
no grito horrendo
e nos estertores da morte,
no pneu firestone do carro
que conduz e mata.
Na luz do sol
e nas sombras perigosas da noite.

Nos olhos avermelhados
de uma lambioia.
Ele hoje está de plantão
com a guarda costeira. Vi-O
no balançar suave da folha
do coqueiro,
no intestino delgado
do famélico,
na palidez do defunto,
na gargalhada estridente
e carente de amor da mundana
- nos céus,
no chão, na fossa
ouvindo Roberto Carlos.

Senta-se onipotente com o vendedor
magricela
oferecendo café
numa viela do Mangue.

Treme, no falo, vibra,
nas entranhas feminís,
no ânus.
Na mão ágil que segura a arma,
está no dedo
que aciona o gatilho
e - atingindo,
está na vítima que cai numa dança bonita.

Está louco, bêbado, trôpego
nos descaminhos da seca - migra.

Inocente sorri
nos cabelos claros da infância,
no pródigo frescor juvenil.

Estampa-se no sensacionalismo
barato e ôco
da manchete de jornal.

Está no fundo do mar -
cata conchas com os mergulhadores,
indonésios.
Na fila do INPS, desespera,
quer brigar.

Está na letra do livro,
viaja no trem da Central
agarrado com um pingente
para evitar os postes.

Viram-no na Cidade Baixa
vendendo gordos pedaços
de muqueca e tapioca - os dentes
alvos, negro como fuligem.

Na boca do nordestino,
está no dente que falta,
na cusparada, nas rugas.
Em toda parte, Ele, em frenesi,
Aparece,
sem lugar e hora,
desde a nuvem que umedece
o sertão, fustigando a seca,
até à distribuição aérea
de napalm
sobre campôneos na Ásia

Mas agora está cansado, aporrinhado,
terminando este poema.

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